sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A complexa realidade de Varella

Na virada do ano, li o livro novo do Drauzio Varella, Carcereiros. O livro não é tão dinâmico quanto Estação Carandiru, pois os capítulos são focados em personagens. Mas gostei da leitura.

Ao contrário da autora deste blog, Varella não é um escritor maniqueísta. Enquanto os posts deste blog dividem o mundo entre bem e mal, certo e o errado, para Varella o mundo é informado por uma série de circunstâncias. O sujeito que espanca um preso com requintes de crueldade em uma página, salva um outro por puro altruísmo na página seguinte. E o pai de família exemplar se torna um violento alcóolatra depois de alguns anos vivendo o dia-a-dia das cadeias brasileiras. 

Tentei torcer por um lado, tomar partido do outro lado, mas acabei desistindo. Tudo é muito mais complexo do que sonha minha vã filosofia. Depois que eu parei de lutar contra meu maniqueísmo, consegui aprendi três coisas interessantes com o livro:

1. O domínio do PCC nas cadeias brasileiras ocorreu logo depois e em decorrência dao massacre do pavilhão 9 no Carandiru, retratado no filme com o mesmo nome.


Segundo Varella, a pressão contra o governo após o massacre foi tão forte que eles não conseguiram mais usar medidas coercitivas fortes dentro dos presídios, e o crime organizado tomou conta. 
 
2. Sob o controle do PCC, ficou terminante proibido o crack dentro das prisões (sob pena de morte). Ao controlar o crack, o PCC consegue controlar os detentos, pois uma pessoa sob influência de crack é uma pessoa fora de controle. Isso reduziu homicídios e fugas nas prisões de uma forma que o sistema tradicional nunca conseguiu reduzir, apesar de toda sua violência e brutalidade. 

3. Por fim, Drauzio Varella faz um cálculo matemático. Se o sistema prisional hoje já não comporta a quantidade de presos que chegam, o que aconteceria se tornássemos o sistema de investigação criminal mais efetivos (hoje menos de 10% dos homicícios no país são resolvidos pela polícia)? Basicamente, o sistema explodia, ou implodia. 

Apesar de não ter os olhos de Varella, para perceber as sutilezas e complexidades do mundo, consigo concordar com ele em vários pontos de política pública. Ambos concordamos que não dá para ignorar a dinâmica política por trás de propostas de políticas públicas. Nada vai mudar no sistema carcerário enquanto a classe média e alta não se importar com o que ocorre lá dentro. E eles não vão se importar até se tornarem usuários deste sistema. 

Além disso, é difícil avaliar política pública com binários de certo e errado. Formulação de política pública é uma coisa complexa e esse discurso de que pode isso e não pode aquilo ignora muito dessa complexidade. A cena do corregedor exigindo que o diretor do presídio transferisse os presos, pois as condições da cela estavam inadequadas é ilustrativa. Diante da exigência, o diretor responde: vou abrir a cela e transferir quem quiser ser transferido. Ele abre a tranca e pede aos presos que querem ser transferidos que saiam da cela e ninguém se move. 

Enfim, a coisa é complexa. O que fazer? Difícil dizer. 

O único alerta que fica para os paulistanos é o seguinte: não se iludam com o governo alegando que conseguiu reduzir a taxa de homicícios no estado. Ao menos duas fontes acadêmicas, além do Drauzio Varella, afirmam que quem é responsável por essa redução, na verdade, é o PCC. 

Fonte 1, Camila Caldeira Nunes: "Ao alcançar hegemonia no universo criminal paulista, o PCC teve êxito em se constituir como instância central de regulação e mediação de conflitos, dentro e fora das prisões. Isso teve um impacto importante na redução dos homicídios no estado, sobretudo nos homicídios vinculados as disputas envolvendo o comércio de drogas e outras atividades ilícitas. Hoje, para ficarmos apenas na realidade interna às prisões de São Paulo, nenhum preso resolve seus problemas individualmente e da forma como considerar adequada. A resolução do conflito passa, necessariamente, pela mediação do PCC, sendo que a solução violenta será a última opção, embora ela esteja sempre presente." (texto integral, corroborando boa parte da análise de Varella, aqui)

Fonte 2, Graham Denyer Willis: "Os moradores falaram que, quando o PCC chegou, [os criminosos] estabeleceram uma ordem forte do que pode ser feito e do que não pode ser feito dentro da comunidade E que se acontecesse alguma coisa tinham que falar com eles. Um sistema de lei e ordem bem diferente. São as regras que estão no estatuto. Já tem dois estatutos, um bem recente. Aí na comunidade não era só quem estava batizado, mas quem morava na comunidade que também não podia desobedecer as regras do PCC. E eles falam que antes era muito pior, [havia] briga entre policia e bandido, morria muita gente. Não podiam sair na rua à noite. Depois que chegou o PCC, estabeleceu essa ordem. Todo mundo sabe que se desobedecer vai ser julgado, sabe o que vai acontecer. Violar mulher, por exemplo, todo mundo sabe que é um crime muito grave e que o cara vai desaparecer ou vai morrer. Então, as taxas de homicídio nesses bairros caíram muito por causa disso. Na visão da periferia, nas comunidades onde o PCC controla, o PCC tem muito a ver com a queda dos homicídios, desde 2003, 2004. O Gabriel [de Santis] Feltran escreveu um livro ["Fronteiras de Tensão"] muito importante sobre isso." (leia a íntegra da entrevista aqui)

Fonte 3, Drauzio Varella: "Sobre as mudanças na rotina dos presídios, o autor destacou o fim do crack e a diminuição dos homicídios dentro do sistema prisional e das tentativas de fuga. As facções impõem disciplina. Para ele, essas normas são replicadas fora das grades. "Na periferia também não se pode matar". "Quando a Secretaria de Segurança diz que 'está diminuindo o número de homicídios em São Paulo', eu fico sempre pensando que isso não é por causa da Polícia", afirmou o autor sobre a extensão dessas regras. " (íntegra da reportagem da Folha aqui)

O que fazer com essa informação? Mude para o Rio. As UPPs estão funcionando...

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